De: António Alves - "Dominados"
A dominação hoje faz-se mais pela cultura, entendida esta no sentido antropológico, veiculada por quem estrategicamente controla os modernos vectores difusores das ideias e paradigmas comportamentais, sejam eles políticos, de consumo ou de simples cidadania, do que propriamente pela força ou pela supremacia económica. Aliás, esta – a supremacia económica – é consequência e objectivo final, embora muitas vezes escondido, das várias formas de dominação. Afinal trata-se da mais velha guerra da humanidade: não, não é a guerra dos sexos, é a guerra pelos recursos.
O problema de grande parte das elites portuenses, em particular das políticas, é o facto de estarem cultural e mentalmente dominadas pelo sistema centralista. Afirmações recorrentes de políticos e outros comentadores de que o caminho não pode ser nunca o confronto com Lisboa demonstram como a dominação cultural que a Lisboa capital exerce sobre eles é tão evidente e eficaz. As oligarquias que em Lisboa dominam as altas estruturas do Estado, das empresas públicas, dos media e dos negócios privados não dorme na forma e executa bem o seu trabalho. É claro que o confronto não é nem pode ser com a Lisboa cidade do povo comum, também ele vítima dos interesses destas oligarquias. Não invejo de modo nenhum a vida de todos aqueles largos milhares de concidadãos que vivem nas margens do IC19, da Linha de Sintra, ou na chamada outra banda. Não lhes invejo a vida difícil, nem as imensas horas de vida perdidas em filas de automóveis ou em comboios a abarrotar e com conhecida insegurança, principalmente nas horas nocturnas. É preferível, sem qualquer hesitação, viver em Ermesinde. Sei do que falo porque por razões profissionais e afectivas divido a minha vida entre as duas cidades (tenho até casa em ambas), passando, por norma um dia numa e o dia seguinte na outra. Mas quanto às oligarquias centralistas, não vejo outra solução senão confrontá-las. Não acredito que elas de livre vontade cedam poder e prerrogativas. Qualquer manual de ciência política nos afiançará tal inevitabilidade. Obviamente, essa luta não nos dispensa de fazermos o nosso próprio trabalho cá em casa.
Na economia globalizada dos nossos dias, na era das grandes redes universais, o Porto não será nada se não se tornar num nó duma dessas redes, por mais pequeno que ele seja. Deve mesmo criar a sua própria sub-rede que ligará às redes de cidades mundiais em formação. Sem ser primeiro um centro de decisão política e depois económica, jamais alcançará tal desiderato. Será sempre secundarizado em relação a Lisboa e arrisca-se até a ser ultrapassado por outras mais dinâmicas. Atentem no historial do Metro no Porto. É mais do que eloquente: décadas de reivindicação inglória até à feliz coincidência histórica de dois dirigentes políticos com visão, capacidade de decisão e peso político – Vieira de Carvalho e Fernando Gomes – terem concatenado as suas vontades para o imporem como um facto consumado. Hoje observem as dificuldades que temos em concluir linhas absolutamente indispensáveis. A cidade e a região terão que ter capacidade política para decidir e implementar os projectos que aqui considerarmos fundamentais para o nosso desenvolvimento.
Segundo o JN, Carlos Lage, presidente da CCDRN, considera que os habitantes do Porto em particular e os do Norte em geral terão o “privilégio” de ter duas ligações em comboio de alta velocidade a Madrid – uma por Vigo e outra por Lisboa –, ambas com cerca de 4 horas de duração. Tenho fundadas dúvidas quanto à possibilidade técnica de se fazer o percurso Porto-Lisboa-Madrid em 4 horas.
As duas ligações são fruto da situação geográfica do Porto e são uma inevitabilidade assaz positiva. Lamenta-se é que no governo não se reconheça e se desperdice tal vantagem. Se em vez do Pi deitado, que rapidamente foi transformado em L de Lisboa, tivesse o Governo optado pelo inicial desenho da rede em T deitado, o Porto manteria as duas ligações a Madrid: uma de 4 horas, por Vigo, e outra de 3 horas se a saída fosse pela região de Castelo Branco em vez de nos obrigar a ir passear pelo Alentejo e Badajoz. Para quem não saiba, e o Governo parece não saber, Madrid fica sensivelmente à mesma latitude de Coimbra.
Com os traçados adoptados pelo Governo, o Porto ficará a cerca de 650 km de Madrid viajando por Vigo e a 950 km viajando por Lisboa. Os 4 milhões de habitantes da Região Norte, no quadro de livre concorrência e interpenetração, que a União Europeia imporá à rede europeia de alta velocidade, optarão, obviamente, por viajar por Vigo, a bordo dum comboio que tem sérias probabilidades de ser espanhol, chegando a Madrid mais depressa e, quem sabe, pagando bastante menos. A saída por Castelo Branco teria também a vantagem de poder captar mercado na Galiza, coisa que está completamente fora de hipótese com o L de Lisboa. Relembre-se que Lisboa não seria de modo nenhum prejudicada com a ligação em T porque a distância a percorrer até Madrid é basicamente a mesma saindo por Badajoz ou saindo por Castelo Branco.
P.S. – Caro Rui Valente: a análise que Rui Rio faz sobre alguns assuntos que aborda na entrevista ao Vida Económica é, na minha opinião, correcta. Embora, tal como o Rui Valente, também a mim me subsistam dúvidas sobre se essas posições são sinceras ou se são mero oportunismo político. No entanto prefiro dar-lhe o benefício da dúvida tal como no registo que faço da evolução da sua posição quanto à Regionalização. Repare que eu fiz votos para que o arrependimento fosse sincero. Não estou completamente seguro disso.
António Alves